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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Longbow do Aventureiro



Em dezembro de 2012, com o meu amigo André Miranda, em uma de nossas conversas sobre coisas de mato, bushcraft, sobrevivência, fim-do-mundo etc, recebi uma proposta inesperada , ele estava me encomendando um arco tradicional, pois estava cansado das modernidades do seu arco composto como se pode ver no blog O Aventureiro


Confesso que inicialmente fiquei preocupado em aceitar, afinal, o Miranda é um entusiasta do mundo tradicional/primitivo, e tem o costume de adquirir coisas de marca e qualidade reconhecida no mundo Out Door. Mas por ser um amigo de longa data, e por saber que ele seria a pessoa mais indicada para cuidar de um arco tradicional, aceitei feliz o desafio.

Construir arcos é quase uma gestação, primeiro você visualiza o produto final, imagina suas cores, o formato do punho, sua potência e a curvatura de suas lâminas. Depois é hora de verificar qual material será preciso para confeccionar o arco, a quantidade e qualidade devem ser suficientes, com o risco de não se conseguir terminar o que começou.

O primeiro material que precisei foi o bambu, a fibra de carbono da natureza, com fibras retilíneas e uniformes, mais densas quanto mais se aproximam da casca.



Depois de colher o bambu e deixa-lo secar por alguns meses, fazemos algumas ripas, que futuramente se tornarão finas tiras com 4 a 6mm de espessura.


Essa tira cuidadosamente desbastada será o backing do arco, ou seja, o elemento estrutural que recebe a força tração nas costas do arco, sem esta proteção muito provavelmente as fibras da madeira começarão a arrepiar e em breve período de tempo o arco se romperá, isso quando não estoura nas mãos do arqueiro na primeira puxada.



Apoiado sobre o próprio stave de Ipê que fará parte do arco e preso na morsa e com sargentos, a tira de bambu vai tomando forma gradativamente, respeitando as suaves curvas que as fibras são forçadas a fazer por causa dos nós.




Os nós também são desbastados na parte de fora, de maneira que o arco tenha uma superfície mais lisa e um aspecto mais bonito. Cabe ressaltar que não é retirado todo o “calombo” formado pelo nó, mas permitindo que uma leve saliência fique registrada na superfície do bambu, pois ali há uma alteração no sentido natural das fibras, e retirar todo o material sobressalente diminuiria demais a resistência naquele ponto.




Depois de devidamente trabalhado o bambu para o backing, iniciei o trabalho de preparo da madeira para o arco, que seria minha primeira escolha, o Ipê. Cabe aqui uma observação, a confecção de arcos tradicionais é praia dos americanos, com a tradição dos flatbows dos índios norte-americanos incorporada a processos mais modernos de fabricação e design mais ergonômico e estético nos punhos criando assim o que se convencionou chamar de longbow moderno, ou longbow híbrido que seria a denominação mais correta, formato das lâminas flat e perfil mais alongado como os longbows ingleses. Mas voltando ao assunto da madeira, os gringos descobriram o ipê brasileiro e há uma enxurrada de artigos de construção de arcos com esta madeira, e muitos a consideram superior até do que as lendárias “osage orange” e o “yew” que é o teixo, isso dito estamos extremamente bem servidos de madeira para construção de arcos e não é à toa que nosso ipê era chamado pelos nossos índios de Pau d´arco.



A ripa de ipê devidamente retificada passa por um processo de aquecimento em vapor, e suas extremidades são tencionadas de maneira que tomem a forma reflex deflex desejada.



Depois da madeira e do bambu devidamente preparados, passamos para a etapa de colagem, além da cola, devemos preparar algumas coisas antes de iniciar efetivamente o processo. primeiro é preciso ter em mãos alguns sargentos, que serão essenciais para um correto posicionamento e pressão para a colagem, também é interessante fazer algumas tiras de borracha de pneu, e os gabaritos, que são pequenos toquinhos de madeira cortados na medida das curvaturas pretendidas.

As tiras de pneu, são usadas para auxiliar os sargentos a exercer pressão entre o bambu e a madeira, e também para distribuir uniformemente esta pressão.




A cola que utilizo, depois de algumas experiências mal sucedidas com diversas colas, é a Cascophem, um adesivo com base em resorcinol formaldeídeo, que simplesmente "solda" a madeira, sendo utilizada inclusive na confecção de varas de pescar de bambu. Muitos bowyers utilizam adesivos epoxi, dentre eles o araldite 24h, mas eu não me adaptei bem ao epoxi, tendo tido melhores resultados com a cascophen. Ressalto porém que se as proporções indicadas pelo fabricante (uma vez que se trata de um adesivo bi-componente) não forem devidamente respeitadas, e também o tempo de secagem, provavelmente seu backing de bambu vai descolar.



Depois de aproximadamente uma semana o arco é "desenformado", neste momento se avalia a qualidade da colagem, verificando se houveram falhas ou descolamento em algum ponto. Qualquer falha identificada neste momento deve ser motivo para abortagem completa da construção e que se refaça todo o procedimento de colagem, jeitinhos e remendos podem, e vão comprometer completamente a qualidade e durabilidade do futuro arco.



O arco deve manter boa simetria, e curvas suaves e naturais.



Neste ponto, começa-se a desbastar a madeira, inicialmente para limpar os excessos de cola e visualizar corretamente o trabalho, como para chegar no perfil do arco.



Depois de limpar e deixar o arco no perfil correto é hora da colagem do punho, usam-se os mesmos cuidados da colagem do backing.



Depois de colada, a madeira é trabalhada até o formato desejado. Eu gosto muito deste modelo, é elegante mas ao mesmo tempo simples. Existem muitos modelos de punhos para arcos, uma consulta rápida no google mostra o universo de modelos existentes.


Feito o punho, entramos na parte mais importante da confecção do arco, o Tiller, que é o desbaste gradual das lâminas, de forma que ao retesar a corda ambos os lados do arco curvem-se por igual e sem pontos de curvatura excessiva. Vale lembrar que, em uma arco tipo deflex/reflex como este, a curvatura se mostra aparentemente desigual, isto ocorre porque parte da lâmina está pré-curvada positivamente e parte negativamente, então, o comportamento das laminas frente o puxar da corda será proporcional a esta forma pré-definida, alcançando a curvatura mais uniforme e arredondada somente no final da puxada, a chamada full draw.


Depois de desbastado o arco, entramos na etapa de acabamento, onde são confeccionados os nocks, o arco é lixado e polido e por fim envernizado.


Neste arco eu usei verniz automotivo, mas já fiz acabamento com seladora e cera com bons resultados.




O amigo Miranda foi buscar pessoalmente o arco, e aproveitamos para botar o papo em dia e dar uns tiros de estreia do arco.




O aventureiro demonstrando sua habilidade logo que chegou em casa acrescentou um belo couro ao rest do arco, completando assim o ar tradicionalista do longbow!








Espero que tenham gostado!

Em breve postarei algumas fotos de outros trabalhos e sempre que possível estarei atualizando artigos de passo-a-passo ou tutoriais relacionados à construção e tiro com arco.

Um grande abraço e bons tiros!














27 comentários:

  1. Parabens, Maia! Fico feliz em saber que existem mais Bowyers no Brasil do que o esperado!

    Esse arco ficou lindo!

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    1. Obrigado Jorge,

      Um elogio de um cara que entende de arcos como você é um grande privilégio.

      Um abraço!

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  2. Show de bola Maia!

    Não canso de ver essas fotos do nascimento do meu arco. :)

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  3. Parabéns pelo belo arco, cumpadi! E também pelo blog, que ficou maravilhoso!

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  4. Parabéns por esse belo trabalho. mas eu gostaria de saber as medidas que vç usou neste arco?

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    1. Olá Kratos,
      Obrigado por olhar!

      Com relação às medidas, em arcos artesanais elas não são muito fixas, podendo variar conforme o objetivo do arco e os materiais disponíveis. Este arco ficou com 1,60 de comprimento e com 5cm na parte mais larga da Lâmina, mas há uma boa margem de "erro" para se fazer o arco. Em geral ele é do tamanho, ou ligeiramente menor do que o arqueiro, e tem em média de 1 a 2 polegadas de largura.
      Caso venha construir algum arco, não deixe de compartilhar os resultados.

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  5. Olá, maia estava procurando sites de como fazer arcos e gostei muito dos seus gostaria de saber se vc venderia um desses para mim, pois creio que nao terei tanto sucesso quanto vc teve, Rs!!!!

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    1. Olá, Obrigado por olhar o blog!
      Eu tenho feito os arcos por encomenda sim, mas sempre procuro orientar os interessados que como não produzo profissionalmente, e tenho outro trabalho que me toma boa parte do tempo, acabo tendo um prazo de espera relativamente longo. Conforme as pessoas vão manifestando interesse real em encomendar vou colocando na sequência de produção, e aviso quando estiver disponível para iniciar os trabalhos no arco de cada um. me mande um e-mail caso deseje encomendar que te passo mais detalhes. willian.maia@gmail.com

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  6. qual madeira(vermelha) vc colocou entre o ipê e o punho ?

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  7. maia hunter vc estar de parabéns, entre todos outros site o qual visitei não estavam a altura do seu em qualidade de informações e imagens, muito bem exemplificado e tudo mais , porem restou-me uma duvida ,que seria as proporções finais do arco a madeira desbastada do ipê ficou com qual altura e comprimento e de mesma maneira punho e bambu ,
    agradeço desde já .

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  8. Isaac,

    Obrigado pelos elogios!

    Normalmente eu não descrevo detalhes de proporções e medidas, pois em geral existe uma falsa ideia de que nos arcos é necessário seguir uma "planta" , sendo que em geral apenas algumas proporções devem ser observadas, e mesmo assim depende muito do tipo do arco.
    Nos meus arcos, em geral o comprimento total fica pouco menor do que o arqueiro que vai empunha-lo, o riser deve acomodar confortavelmente as mãos e normalmente a parte que vai afinando em direção à lamina tem o mesmo comprimento da parte central onde se apoia a mão. as lâminas costumam ficar entre 3 e 5 cm de largura.

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  9. maia estou começando o meu arco.
    Tenho uma duvida?O bambu pode ser colhido seco ou
    ten q ser verde?

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    1. Amigo,

      Na verdade o bambu deve ser colhido maduro, sem verde e nem seco. os melhores meses para a colheita são aqueles cujos nomes não tem a letra R, pois em geral são meses com menor índice de chuvas.
      Uma coloração mais amarelada é desejável.

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  10. Maia fiquei maravilhado com seus arcos, mas gostaria de saber quanto custa essa cola que vc usa, Mas vale um toque , conhece tucum ou tucuma, Mas seus arcos maia nao tem defeito sao maguinificos, Abraços tudo de bom e sucesso.

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    1. Lucivania,

      Esta cola que uso foi descontinuada, custava coisa de 200 reais a lata de 1l, Ainda estou estudando uma substituta.

      Não conheço tucum, ma vou pesquisar, obrigado pelo toque.

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  11. Seu blog nada fica a dever aos 'gringos' que tenho pesquisado....Parabens.....Estou tentando fazer algo parecido...Mais uma vez parabens.....

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  12. Maia...Fiz Um Com Ipe Amarelo e o Backing De Bambu...Ficou Demais Tanto Que 3 Amigos Ja Encomendaram os Deles...Abração Amigo!!

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  13. Maia...Fiz Um Com Ipe Amarelo e o Backing De Bambu...Ficou Demais Tanto Que 3 Amigos Ja Encomendaram os Deles...Abração Amigo!!

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  14. show de bola amigo, vou seguir sua dicas e fazer o meu...parabéns.ficou lindão...

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  15. show de bola amigo, vou seguir sua dicas e fazer o meu...parabéns.ficou lindão...

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  16. Olá amigo , queria saber aonde vc compra essa cola cascophen ?

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